Project Power (2020) é mais uma das recentes produções da Netflix, buscando estabelecer o estúdio do serviço de streaming efetivamente no mercado cinematográfico. Até o momento a Netflix tem tido resultados mistos tentando se estabelecer no gênero de ação, com sucessos como Bright (2017) e The Old Guard (2020), mas também decepções como 6 Underground (2019). A transição de espetáculos para um meio tão casual de escala limitada certamente é um negócio tênue, mas o apelo de conceitos complexos em conjunto com grandes estrelas certamente parece ser uma fórmula de sucesso para a plataforma.
Roteiro
Project Power segue Robin (Dominique Fishback), uma adolescente envolvida no tráfico de Power, uma pílula que garante super poderes ao seu usuário, nas ruas de New Orleans. Ela também fornece Power ao policial Frank Shaver (Joseph Gordon-Levitt), que faz uso dos poderes no combate ao crime na cidade. Quando Art (Jamie Foxx), um ex-soldado, sequestra Robin na sua missão de encontrar a filha capturada, o par desenvolve uma amizade improvável, e vão atrás dos responsáveis por distribuir Power pela cidade, envolvendo Frank na missão ao longo da história.
Estruturalmente a história de Project Power é bastante complexa, seguindo diversas linhas narrativas simultaneamente, que se intercalam e unem em diversos pontos ao longo do filme. Uma série de fios são lançados em diversas cenas na primeira metade do filme e somente no meio do segundo ato descobrimos qual será seguido pelo resto do filme. Assim, existem algumas cenas que aparentam ser redundantes e desnecessárias, ou claros pontos a serem seguidos em uma possível sequência do filme. Uma dessas linhas que não possui resolução no filme e claramente indica a uma sequência é o fornecimento de Power aos cartéis de drogas Sul-Americanos. A combinação de personagens carismáticas e da premissa interessante certamente merece ser elogiada, porém a dispersão das cenas e falta de pay-off limita a efetividade da resolução do filme.
Composição Visual
O filme firmemente se estabelece na cidade de New Orleans diversas vezes, se expressando quando Frank veste uma camiseta dos New Orleans Saints, o time de futebol americano da cidade, ou o bondinho, característico da cultura local. Todavia, quando trata das ruas de New Orleans, onde a maior parte do filme se passa, não existem peculiaridades que diferenciem o contexto do filme em relação a outros.
A coloração não peculiarmente diferenciada, e se assemelha bastante à composição adotada em Bright (2017). O visual parece se perder em meio à linha de produções genéricas da Netflix, e não faz esforços particulares para se diferenciar neste sentido. Todavia, uma coloração genérica não significa que o filme seja visualmente desinteressante, especialmente se as cenas de ação conseguem ser apresentadas de uma maneira interessante. Infelizmente o filme falha nessa dimensão também. Os poderes não são explorados de uma maneira particularmente única ou estimulante, visualmente, e o filme replica a falha de de fazer uso demasiado de cortes rápidos entre frames trêmulos, quase irreconhecíveis.
Trilha Sonora
Project Power aposta em um trilha sonora primariamente centrada em hip-hop para engajar o espectador. Essa escolha é coerente com a importância desse gênero de música no filme, considerando que Robin é uma rapper aspirante. Infelizmente a execução não é tão inspirada quanto a escolha. Apesar da inclusão de uma série de músicas populares do gênero e uma música original feita para o filme, nenhum momento particularmente memorável é amplificado pela escolha musical.
Performances
O filme não demonstra grandes ambições dramáticas ou cômicas. Então não existem destaques particulares. Jamie Foxx retém o seu carisma, e competentemente carrega o filme, mas não se destaca particularmente em um sentido dramático ou cômico para tornar o personagem icônico. Joseph Gordon-Levitt sofre da mesma limitação, como um policial que atende a muitos dos clichês cinematográficos. Em meio a duas, estabelecidas, estrelas do cinema está a novata Dominique Fishback, que de forma impressionante consegue igualar as performances dos dois astros. Machinegun Kelly, Casey Neistat, Rodrigo Santoro e Amy Landecker entregam performances sólidas, porém pouco memoráveis como vilões do filme.
Temas
Essa é, provavelmente, a dimensão mais interessante do filme e o eleva para além de um simples derivativo do gênero de super-heróis. A denominação da pílula como 'power' pode até evidenciar demais a conexão temática, mas não detrata da efetividade da mensagem transmitida. 'Power', no filme, é uma metáfora para o conceito de 'power to the people' (poder ao povo), tendo essa frase sendo literalmente repetida por uma das personagens. Então é interessante a ideia de que esse tipo de poder tenha sido apropriado pelas instituições e pelo governo. A crítica de que empresas ou governos buscam apropriar e controlar movimentos populares contra as instituições tem se tornado cada vez mais real e relevante. O que acentua mais ainda essa leitura é o fato de o protagonista se chamar Art. Então os cineastas claramente fazem alusão à ideia de que o poder popular surge na arte, uma ideia muitas vezes relevante que se quebra pelo fato de as instituições literalmente criarem a arte, e terem controle sobre o seu poder de movimentação popular. A maior dúvida que surge ao se chegar nesta conclusão é se o filme comete o mesmo pecado que os vilões?
VEREDITO
No final das contas Project Power é só mais um filme no complexo industrial de produções da Netflix, o que é um pouco irônico considerando a exploração temática do filme. O filme é competente tecnicamente, mas não se destaca particularmente. A maior revelação do filme é a atriz Dominique Fishback, que se provou à altura de contracenar com astros como Jamie Foxx. Uma sequência da franquia certamente tem o potencial de ser intrigante, com diversos fios narrativos levantados, porém corre o mesmo risco de se perder em meio ao prisma de filmes de ação genéricos da Netflix.
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